Eu realmente não entendo como isso pode ser um esporte. Afinal, quem faz o esforço?
Por William C. RhodenThe New York TimesTradução: Paulo Migliacci MEFonte: Portal TerraPor que continuamos a permitir que as corridas de cavalo escapem sem críticas? Será a tradição? Os milhões e milhões em apostas? Por que não existe mais pressão para aplicar ao chamado esporte dos reis as regras que definem crueldade contra os animais em outros âmbitos?
O esporte é no mínimo tão desumano quanto as corridas entre galgos, e está a poucos passos de distância dos combates entre animais. Será que é pelo fato de que as corridas de cavalo são parte da tradição norte-americana? Ou por a tríplice coroa do hipismo ser um espetáculo televisivo nacional? Ou será por que as mortes nas pistas de corrida são raramente vistas pela audiência convencional de televisão?
O sentimento que cerca o esporte foi resumido pelo Dr. Larry Bramlage, no sábado, quando, perguntado sobre corridas que misturam éguas e cavalos, ele disse que "uma morte não representa uma epidemia".
A audiência de todo o país foi exposta aos momentos agridoces causados pela magnífica vitória de Big Brown e, momentos mais tarde, a chocante notícia de que Eight Belles havia sido sacrificada. Enquanto assistíamos à celebração do proprietário de Big Brown pela vitória no derby, ouvíamos Bramlage descrever os detalhes da horrível morte de Eight Belles. A égua completou a corrida heroicamente, conquistando a segunda posição. Ela estava na curva que leva à reta oposta quando seus dois tornozelos dianteiros entraram em colapso.
Bramlage descreveu a imagem repulsiva do acontecido: uma fratura condilar que rompeu a pele e foi contaminada.
"Ela não tinha como se apoiar nas patas dianteiras e não havia como imobilizá-la ou colocá-la na ambulância, de modo que decidimos sacrificá-la de imediato", disse Bramlage. E foi isso.
Depois da corrida, Larry James, treinador de Eight Belles, mal conseguia conter as lágrimas ao responder perguntas sobre a morte do animal. Mas, apesar de sua dor, ele respeitou instintivamente a linha que o setor defende quanto às corridas. Desconsiderou a idéia - e as críticas veladas - de que a pista de terra pode ter contribuído para a morte da égua. Também se recusou a admitir que as corridas de cavalo são um esporte extremamente perigoso, dizendo que lesões como essas podem acontecer em qualquer esporte.
No mundo do turfe, a morte de Eight Belles representa uma baixa trágica mais gloriosa. O setor prefere a negação: as corridas causam sérios danos aos cavalos, mas nós propiciamos ao esporte o disfarce dos chapéus elegantes, dos coquetéis e das orquestras de cordas.
Por que nos colocamos a enquadrar o turfe no mundo dos maus tratos aos animais? Em que momento nós ao menos proporemos a questão quanto à eficácia de cavalos de corrida pesando mais de 400kg correndo em alta velocidade sustentados por patas tão frágeis? Qual é a diferença entre o turfe e as touradas?
Eight Belles foi mais uma vítima de um esporte brutal que é literalmente carregado nas costas dos cavalos. Os turfistas gostam de falar de seus puros sangues, e ressaltar que eles nasceram para correr e vivem para correr. Mas a verdade é que eles são obrigados a correr, forçados a correr em busca de lucros que jamais os beneficiam.
No sábado foi a vez de Eight Belles, em Louisville. Dois anos atrás, foi Barbaro, em Baltimore, depois de pisar em falso no grande prêmio Preakness. E quem sabe quantos cavalos morrem anonimamente? O que deveríamos escrever é que Eight Belles foi simplesmente mais uma vítima de um esporte brutal.
E até mesmo uma morte já seria demais. O milagre do esporte dos reis é que não aconteçam muitas outras. No entanto, quantas serão necessárias para que façamos alguma coisa?
Antes da corrida do sábado, caminhei até o estábulo no qual Michael Matz estava preparando Visionaire para o grande prêmio. Matz era o treinador de Barbaro, o supercavalo que venceu o Kentucky Derby de 2006, aqui, e duas semanas mais tarde pisou em falso, sofreu uma fratura, e terminou sacrificado no ano seguinte. Na sexta-feira, um dos cavalos de Matz, Chelokee, sofreu uma fratura condilar em sua pata dianteira direita no Alysheba Stakes, uma prova importante disputada no hipódromo de Churchill Downs.
As informações iniciais indicavam que a lesão era semelhante à que Barbaro havia sofrido, uma fratura no tornozelo. As informações não procediam, mas imagino o que pode ter passado pelos pensamentos de Matz.
"Corri para lá para ver como ele estava", conta Matz, que diz não ter pensado em Barbaro, mas apenas em Chelokee e na situação atual. Depois, ele pediu licença. "Preciso preparar meu cavalo para a prova de hoje", disse.
John Stephens começou a treinar Barbaro e Visionaire quando os dois eram potros de pouco mais de um ano. Ele estava em Baltimore no dia em que Barbaro sofreu sua lesão. A experiência pela qual passou, diz, ajudou no mínimo a alterar, se não mudou completamente, suas perspectivas quanto às corridas de cavalos.
"Quero que meu cavalo vença - não vou mentir a respeito", disse. "Mas não a qualquer custo. Não quero que cavalo algum saia lesionado. Quero que todo mundo tenha uma viagem positiva, e quero que todo mundo volte bem para casa".
As palavras dele ecoavam em minha memória quando saí do estábulo, e continuaram a ecoar enquanto ao contemplava Eight Belles caída na pista. O turfe é um esporte brutal. Por que continuamos a ignorar esse fato?